Na sua investigação sobre a sociedade labrega da Terra Chá entre os séculos XVIII e XX, o historiador José María Cardesín tem descrito em repetidas ocasiões um singular grupo social: as «caseteiras». As caseteiras eram mulheres que, por terem tido crianças fora do matrimonio, não chegavam nunca a se integrar na instituição da família patriarcal, formando grupos residenciais e (re-)produtivos independentes. População flutuante, pobres de solenidade, as caseteiras sabiam instrumentalizar a sua condição de mães solteiras para viver de jeito autónomo. Os seus corpos e trabalho eram, no entanto, parte do troco comunitário.
Filha de caseiros, Clara Corbelhe tinha trinta e cinco anos quando confrontou o homem que a deixou prenhe, pedindo em juízo oral, que «le reconozca una hija que de él tubo». Perdeu. Ganhou. E começou assim a sua vida como caseteira. Sem terras de seu, estas mulheres aproveitavam os montes comunais para o pastoreio e o tojo, ou recolhendo a palha triga que deixavam as casas familiares após a sega. Parindo crianças não reconhecidas por homem nenhum, fundavam casais bastardos, espaços de promiscuidade e autonomia. Como afirmou um idoso de Sam Martinho de Castro de Rei que ainda as lembrava nos anos oitenta, quando José María Cardesín levou a cabo a sua investigação doutoral: «Havia muito trabalho para elas».
O Espaço Clara Corbelhe nasce para reimaginar o trabalho das caseteiras. À procura dum espaço dissonante, heterogêneo e inconciliável. Uma agência para a reapropriação dos saberes, das práticas e das formas de relacionamento e existência popular, na procura dum instrumento para a interpelação, a escuita e a aprendizagem. Para ampliarmos o possível e o pensável na crítica emancipadora galega, sobre e desde a prática social, abrolha esta morada.
O Espaço Clara Corbelhe nasce, porém, como um espaço incompleto e insuficiente. Por isso, deixamos as portas abertas, lançando, desde já, um convite ao nosso caseto, a aquelas pessoas que andam à busca de repouso para reflexão, para redescobrir e dimensionar o dano que nos figerom, as inúmeras paisagens do nosso despossuimento. Mas também cientes da necessidade de ferramentas e estratégias para transformarmos esta realidade.