Desde o caseto da Clara Corbelhe, nasce esta revista. Promiscua. Comunal. Autónoma. Para co-construir ferramentas de conhecimento, análise e intervenção desde um lugar de enunciação que, suspeitamos, temos de erguer. Um lugar que desassossegue relações e arquivos, para armar desde o materialismo e a autonomia crítica uns estudos emancipatórios galegos.
Desde o caseto da Clara Corbelhe imaginamos o futuro como um processo de arqueologia política: um processo de estudo, análise e interpretação crítica com base nos «restos materiais» da comunidade que testemunhou o nosso despossuimento histórico.
Desde o caseto da Clara Corbelhe, abrimos uma fenda. Abaladas por um imperativo crítico, criamos um espaço de debate que, em palavras de Walter Benjamin, esteja em condições de «escovar a história a contrapelo», chamar à história das gentes dissidentes, deserdadas, do comum e do território.
O caseto de Clara Corbelhe é para nós uma premissa, um antecedente, uma proposição. Um espaço galego de imaginação e, portanto, de transformação. Um espaço à procura da Galiza bastarda, verdadeiro ponto cego de projeções resistentes e idealizadas. Tomando conta da realidade material e simbólica que determina o que hoje somos, pomos em andamento a revista Clara Corbelhe para trabalhar na retaguarda, acompanhando, em aberta tensão, ao nosso povo no seu confronto contra a barbárie em curso.
Filha de caseiros, Clara Corbelhe tinha trinta e cinco anos quando confrontou o homem que a deixou prenhe, pedindo em juízo oral, que «le reconozca una hija que de él tubo». Perdeu. Ganhou. E começou assim a sua vida como caseteira. Sem terras de seu, estas mulheres aproveitavam os montes comunais para o pastoreio e o tojo, ou recolhendo a palha triga que deixavam as casas familiares após a sega. Parindo crianças não reconhecidas por homem nenhum, fundavam casais bastardos, espaços de promiscuidade e autonomia. Como afirmou um idoso de Sam Martinho de Castro de Rei que ainda as lembrava nos anos oitenta, quando José María Cardesín levou a cabo a sua investigação doutoral: «Havia muito trabalho para elas».
O Espaço Clara Corbelhe nasce para reimaginar o trabalho das caseteiras. À procura dum espaço dissonante, heterogêneo e inconciliável. Uma agência para a reapropriação dos saberes, das práticas e das formas de relacionamento e existência popular, na procura dum instrumento para a interpelação, a escuita e a aprendizagem. Para ampliarmos o possível e o pensável na crítica emancipadora galega, sobre e desde a prática social, abrolha esta morada.
O Espaço Clara Corbelhe nasce, porém, como um espaço incompleto e insuficiente. Por isso, deixamos as portas abertas, lançando, desde já, um convite ao nosso caseto, a aquelas pessoas que andam à busca de repouso para reflexão, para redescobrir e dimensionar o dano que nos figerom, as inúmeras paisagens do nosso despossuimento. Mas também cientes da necessidade de ferramentas e estratégias para transformarmos esta realidade.
Fai-te caseteira e participa do Espaço Clara Corbelhe!