Qual é a utilidade política hoje de invocar as teorias de colonialismo interno para o contexto espanhol? O historiador Javier García oferece uma breve genealogia do conceito de “colónia interna” e suas aplicações no seio dos movimentos autodeterministas do século XX espanhol, apontando a sua utilidade na hora de confrontar o extrativismo, a migração forçada e a exploração ecocida do território no momento contemporâneo.
Há já vários anos que a teoria do colonialismo interno voltou a estar na moda nos círculos académicos de pensamento crítico nos Estados Unidos, na América Latina e na Europa Ocidental. Apesar de ser um conceito fácil de compreender e, portanto, fácil de confundir, até agora não houve um debate sério no Estado espanhol sobre o que implicaria a categoria de colónia interna ou doméstica na longa história colonial espanhola, e especificamente na área peninsular.
O conceito de colónia interna refere-se a situações de opressão nacional, territorial, colonial, étnica, linguística ou religiosa (a maioria delas interligadas) nos Estados contemporâneos. O fenómeno do colonialismo interno ocorreu historicamente em Estados centrais ou semiperiféricos como os EUA, Espanha, México, Rússia, Turquia, e é um fenómeno que faz parte da longa história das colonizações e descolonizações contemporâneas. Todas as genealogias que conhecemos do conceito de colonialismo interno levam-nos à formação da Terceira Internacional, quando o marxismo incorporou as análises dos teóricos do Terceiro Mundo. Na segunda conferência do Comintern, realizada em Moscovo em 1919, Lenin apresentou as suas teses sobre a questão nacional e colonial, que combinavam a sua tese do direito à autodeterminação com a tese do imperialismo. Estas teses foram discutidas por M. N. Roy, um marxista da Índia e fundador do Partido Comunista do México, que argumentou, entre muitas outras questões, que o mundo não só poderia ser dividido entre colonizadores e colonizados, mas que existiam semi-colônias, bem como diferentes opressões coloniais e raciais em países como a Índia ou o México.
Participaram desses debates sobre a questão colonial e nacional ao longo da década de 1920 o indiano M. N. Roy, o afro-americano Harry Haywood, o sardo Antonio Grasmci, o peruano José Carlos Mariátegui e o catalão Andreu Nin. Cada um deles desenvolveria posteriormente uma discussão teórica sobre a existência de opressões nacionais nos diferentes Estados. Antonio Gramsci teorizou a questão meridional entre 1921 e 1926, pouco antes do seu período em prisão. José Carlos Mariátegui estudou a questão indiana como uma «opressão nacional interna» no Peru, o qual seria o prolegômeno para discussões subsequentes sobre racismo e capitalismo nos Andes, de Fausto Reinaga, René Zavaleta Mercado, Aníbal Quijano ou Silvia Rivera Cusicanqui. Andreu Nin e Joaquim Maurín começaram a desenvolver a tese da opressão nacional catalã e da plurinacionalidade no Estado espanhol e as suas leituras seriam retomadas décadas mais tarde pela esquerda radical espanhola como a LCR e os jovens militantes do PSAN e do PSAN P.
No Estado espanhol, a adoção dos quadros teóricos da luta anticolonial esteve intimamente ligada às lutas de libertação nacional das nações oprimidas. Os debates que ocorriam em França sobre o anticolonialismo e a luta pela libertação nacional na Europa iriam permear o Principado da Catalunha e Hegoalde através dos militantes das organizações nacionalistas catalãs e vascas que tinham presença no Norte da Catalunha e em Iparralde. Embora entre 1968 e 1973, tanto o PSAN, o PSAN-P e a ETA (e mais tarde a ETA-m, a ETA-pm, a ETA-Berri e a Assembleia da ETA-VI) tenham partido da posição de Euskadi e da Catalunha como nações oprimidas dentro do território espanhol e nos estados imperialistas franceses, nunca houve a consideração política de que Eukadi e a Catalunha eram colónias internas. A obra Vasconia: Estudo dialético de uma nacionalidade (1962) de Federico Krutwig foi o culminar da concepção de Euskadi como uma nação oprimida e militarmente ocupada que exigia uma luta de libertação como as que ocorriam no terceiro mundo. No caso catalão, apesar da participação de militantes do PSAN-P na assinatura da «Carta de Brest», não houve desenvolvimento teórico ou estratégico no que diz respeito a uma concepção da Catalunha como colónia do Estado espanhol. Porém, no caso da esquerda canária, a questão anticolonial teve uma forte implosão no início dos anos sessenta através da figura de Antonio Cubillo, advogado laboral ligado ao PCE, que recebeu o apoio de vários dirigentes e organizações pan-africanistas para fundar o MPAIAC, que operou da Argélia entre 1964 e 1970, como uma organização independentista e pan-africanista das Canárias.
Especificamente, a semente da discussão sobre o colonialismo interno foi atravessada pelo exílio latino-americano na Europa. No início dos anos 70 começaram a chegar a Madrid fugindo das ditaduras da Argentina, Chile e Uruguai. Especificamente, Osvaldo Sunkel e Andre Funder Frank chegaram a Madrid fugindo do golpe de estado no Chile. Um grupo de professores preparou-lhes vários seminários e conferências no Instituto de Estudios Políticos para América Latina y África-IEPALA, antes de prosseguirem o seu curso para Paris. Entre os que receberam os teóricos da dependência estavam os galegos Xosé Manuel Beiras (fundador do Partido Socialista Galego), Ramóm López Suevos (membro da Unión do Povo Galego) e o andaluz Francisco Alburquerque (militante do Partido Socialista de Andalucía na Federación de Emigrantes de Madrid). Este último foi o primeiro teórico andaluz a adotar o conceito de «colónia interna» para o caso andaluz. Em 1976 publicou em Cuadernos para el diálogo, o artigo «Andalucía: colonia interna del sistema capitalista», um texto pioneiro onde abordou de forma inovadora a perspectiva da dependência na realidade económica andaluza. Em 1980 publicou, também em conjunto com Antonio Rodríguez Ramos, uma aplicação do texto intitulado «Desarrollo desigual: notas para la formación social andaluza», publicado na Revista de Estudios Regionales. E em 1984 publicou «Andalucía, un desarrollo difícil», um terceiro texto em que aplicou a análise das características complexas do desenvolvimento económico na Andaluzia devido ao marco colonial do capitalismo espanhol no interior do Estado.
No caso galego, a adopção da interpretação da Galiza como colónia seria mais complexa. Em primeiro lugar, Castelao escreveu no seu Sempre en Galiza a famosa frase «Estamos fartos de ser colónia». Xosé Manuel Beiras, fundador do Partido Socialista de Galicia em 1963, esteve na Universidade Central de Madrid nos anos sessenta com Ramóm López Suevos. Embora Beiras tenha sido professor de López Suevos, este rapidamente se tornou catedrático e foram professores da Universidade Complutense durante a década de setenta. Em 1972, Beiras publicou uma obra que logo se tornaria um clássico do nacionalismo galego, O atraso económico de Galicia. A obra contemplou, ainda que de passagem, o conceito de colónia interna para explicar o papel subalterno e extrativo da economia galega como causa do suposto atraso galego. A obra inspirou-se mais nas incipientes teorias da dependência e do subdesenvolvimento aplicadas à economia espanhola e conectou a questão económica e a perspectiva do subdesenvolvimento com a tradição nacionalista galega, como havia observado em Robert Lafont.
Por outro lado, os militantes da UPG mantinham uma relação mais equidistante com o conceito de colónia interna e, em geral, estavam mais apegados à definição marxista de colónia em sentido estrito, ou seja, uma relação colonial entre uma metrópole e um território colonizado que assume a forma de nação para a sua libertação, como foi o caso da Irlanda, Cuba, Vietname, Argélia e muitas outras nações. Em 1965, a UPG emitiu a declaração clandestina «Embalse non, Xusticia si», na qual criticava a política de colaboração do régime com Fenosa no vale de Castrelo de Miño e a descrevia como colonialista. No número 1 do ano 1969, o órgão de expressão Terra e Tempo afirmava a condição de opressão colonial que sofria a Galiza. Nesse mesmo ano, foi publicada a declaração conjunta UPG-PSG, que também afirmava o estatuto colonial da Galiza. O texto é uma sistematização com certa profundidade histórica da formação nacional e colonial da Galiza. Mas em nenhum momento é utilizado o conceito de colônia interna. Em 1972 foi publicada a obra O atraso económico de Galicia de Beiras, onde se teorizou o conceito de colónia interna para a Galiza. E nesse mesmo ano, no Terra e Tempo de 1973, foi publicado um artigo sob o título «Galiza é uma colónia» que aprofunda os diferentes níveis de colonização política e cultural a que a Galiza é submetida por Espanha. O texto recomenda ainda a obra O atraso económico de Galicia de Beiras e outros textos de Robert Lafont e da União Democrática Betrona. Em julho de 1973, a UPG publicou um Canle (boletim interno para militantes) no qual oferecia um esboço provisório para desenvolver a linha política da UPG onde aparecia uma seção sobre «tipologias do colonialismo» e introduzia, para além das noções de velho e novo capitalismo, as categorias de semicolonialismo, das colónias internas e dos países capitalistas dependentes. Finalmente, em 1978, Francisco Rodríguez, que seria o principal líder da UPG nas décadas seguintes, e Ramóm López-Suevos, publicaram problemática nacional e colonialismo: o caso galego, que implicará o estabelecimento do quadro teórico da UPG em torno da questão colonial, definindo a opressão nacional da Galiza como uma exploração colonial clássica, afastando-se do quadro do colonialismo interno.

O colonialismo interno, tal como foi definido polos marxistas negros, mas também por Pablo González Casanova ou Robert Lafont, permite-nos reconhecer as opressões coloniais onde não houve administração colonial convencional. Trata-se de reconhecer políticas de dominação étnica, racial e cultural baseadas em processos de extrativismo, migrações forçadas e evacuação demográfica para a exploração ecocida do território. O colonialismo interno também nos remete a situações de dominação em que vários fenómenos nacionais tiveram um desenvolvimento variado, sem delimitações claras. Nos casos valenciano, canário, galego e andaluz, a estratégia de opressão nacional tem sido de imposição e extrativismo, de despojamento da identidade e dos símbolos culturais da nação dominada para reforçar o carácter nacional do Estado. O colonialismo interno também nos obriga a pensar a partir de contextos de migrações em massa planeadas como políticas de Estado que geraram identidades marcadas por migrações, diásporas, exílios e regressos. Neste sentido, o colonialismo interno procura alianças transversais dentro da própria comunidade explorada, quotas de autonomia e soberania dentro de um Estado opressor e autoritário, bem como alianças com outros povos e nações oprimidas para a transformação do Estado como um todo. O confederalismo democrático no contexto do Estado espanhol deve ter como horizonte a articulação de processos constituintes plurinacionais que visam a transformação social, o controle popular e comunitário dos recursos, a redistribuição económica, a democratização territorial, a autodeterminação e o fim de toda a opressão nacional e política e de classe, isto é: um horizonte socialista nacional e popular de descolonização do Estado.