A «grande obra» e o nosso renovado compromisso

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No primeiro artigo de 2025 no Caseto, Antom Santos contribui para o debate em curso sobre modelos de militância na Galiza, colocando questões fundamentais sobre as suas possibilidades e manifestações no momento contemporâneo

Antolim Faraldo deixou definida a causa galega como «a grande obra», que a sua geraçom inaugurava. Nesta expressom sintética podemos intuir várias derivaçons importantes: primeiro, que como «grande», sobarda o esforço individual, é portanto mancomunada e vai além dumha geraçom; segunda, que também é «grande» no sentido da sua fondura, que requer o concurso de importantes esforços inteletuais e materiais; e finalmente, que também é «grande» num sentido moral, isto é, que se trata dumha empresa nobre, que enuncia um bem universal, e nom defende apenas um interesse corporativo ou umha arela de promoçom.

Entre os anos 80 do passado século e este 2025 que andamos, o turbilhom da revoluçom neoliberal tombou muitas instituiçons, práticas e hábitos culturais. Entre esses muitos derrubamentos, também assistimos ao de «grandeza» que se incluía na divisa dos rebeldes de 1846: ao indivíduo neoliberal custa-lhe pensar em projetos que superem o plano pessoal porque, como Margaret Thatcher declarara, «a sociedade nom existe». Custa-lhe viver as causas coletivas, e mais ainda se estas alcançam além do flash dos dispositivos tecnológicos, porque som de longa duraçom. Em consonância com isto, o indivíduo neoliberal tem também dificuldades para assumir um esforço, umha certa auto-privaçom, que for distinta do cultivo neurótico do eu (o único esforço é para ele o da concorrência profissional ou da melhora física e estética, o esforço para construir a marca de si mesmo). Para concluir, resulta-lhe complexa umha noçom de bem como açom desinteressada, positiva e gratuita, pois a máxima retitude moral que contempla é, simplesmente, estar um a vontade consigo e nom danar ninguém. A fraqueza da causa galega hoje provém em grande medida deste novo paradigma, que podemos considerar vencedor incontestado na luita das ideias de ocidente.

As perguntas

Para respondermos a pergunta de que compromisso e que organizaçom podemos tecer para a Galiza  partimos dessa ideia prévia, arredor da que existe um consenso básico. Mas para irmos além da mera enunciaçom de desejos (haveria quefazer tal cousa) podemos tentar responder, em diálogo aberto, três perguntas básicas: é imprescindível o compromisso organizado e estável?  É possível hoje o compromisso organizado e estável? É arriscado o compromisso organizado e estável, implica sérias e perigosas contrapartidas?

É imprescindível?

Faremos umha escolma panorámica para darmos com alguns fitos do movimento galego, de maior ou menor dimensom: a revoluçom de 46 e as Irmandades, a imprensa arredista da emigraçom ou o logro estatutário de 1936, a reorganizaçom do movimento nos 60, a ligaçom do galeguismo com a classe obreira nos 70, a digna resistência e formaçom da militância nas cadeias, a fundaçom dos centros sociais, a esforçada introduçom do galego no ensino após a ditadura, ou na atualidade as escolas Semente. Mas também podemos dar a umha vista de olhos a iniciativas nom explicitamente políticas que reforçaram a identidade galega, como o nascimento dumha imprensa no nosso idioma (O Tio Marcos d’a Portela), a luita editorial de Galaxia em tempos do fascismo, o reconhecimento dos montes em mao comum ou a elaboraçom inteletual dum novo quadro de referência para a língua e a cultura (o reintegracionismo académico).

Que tenhem em comum todos estes projetos e sucessos? Foram coletivos, pois se houvo pegadas individuais salientáveis, ou desavinças entre os seus membros, ficaram subsumidas e saneadas polo projeto comum. Foram estratégicos, isto é, faziam-se pensando no futuro ou, como diz a linguagem do ecologismo, «no mundo que deixamos às nossas crianças». E foram generosas, pois se existiram neles pulsons egoístas (como acontece nos movimentos coletivos quando procuramos fama, poder ou reconhecimento), estes pequenos incentivos miseráveis palidecem ante a satisfaçom muito mais poderosa de servir o bem comum. Em termos de hoje, diríamos que foram projetos militantes.

Os mais cépticos com a ideia do compromisso firme podem recordar-nos, com razom, que em outras conjunturas emergeram movimentos laxos, de estrutura difusa, que tivérom efeitos poderosos. E para isso mesmo podem recorrer a outra expressom dum clássico, neste caso Daniel Castelao, ao recordar-nos que «na obra há sítio para todos», um todos e todas que inclui as pequenas achegas, os modestos contributos, os contratos temporais com a causa, e até os passos efémeros polo nosso movimento. Assim, sem este carácter abrangente nom existiriam movimentos como o antimilitarismo, o Nunca Mais, a revoluçom feminista ou o actual «Altri Nom». Em qualquer caso, se repararmos na letra pequena destes fenómenos de massas, veremos que nom som compreensíveis sem a presença de teimosos coletivos de pequenas dimensons que sementárom ideias emancipadoras ou, no momento da eclossom, soubérom canalizar as luitas de massas com habilidades organizativas e comunicativas, ganhadas em décadas de experiência silenciosa.

É possível?

A pergunta pola possibilidade do compromisso numha sociedade já nom líquida, senom gaseosa, onde a própria relaçom quotidiana entre pessoas vira de seu inestável, virtual, normalmente dolorosa e impotente, é umha das emendas mais sérias a quem acreditamos na vida militante. Mas a própria formulaçom da pergunta agocha, em si, umha intençom retorta, mesmo cínica. Ante as grandes questons que nos coloca a vida, no individual e coletivo, o certo é que nom temos resposta definitiva. É possível a felicidade? É possível salvarmos a civilizaçom humana quando todos os indicativos do caos climático apontam que entramos já na zona de fora de controlo? É possível os impulsos altruistas das pessoas imporem-se ao nosso pulo destrutivo e auto-destrutivo como espécie?

Ante todas as perguntas de dimensom colossal, a resposta é sempre a mesma: sinceramente, nom o sabemos. Mas o acréscimo a seguir tem tanta importância como a resposta mesma: e ainda assitemos que viver como se todo isto for possível, porque a própria possibilidade reside na tentativa. Dado que além da mera sobrevivência biológica, a existência humana está constituída de noçons como dignidade, felicidade e esperança, todas elas de dimensom coletiva, a questom do compromisso profundo aparece como um dos alicerces do próprio bem estar.

É arriscado?

Nom escrevemos em 1880 nem em 1930, nem tam sequer em 1974, senom em 2025. Ninguém pode ignorar o longo balanço de luitas em dous séculos. Junto experiências inspiradoras e emocionantes de entrega aos demais e compromisso desbordante, as ideias emancipadoras, desenhadas no formato da militância e das lealdades fortes, tenhem produzido também terríveis correlatos de tirania, seitarismo e delírio de grupo, desencanto e desfeita de pessoas valiosas, autoconsumidas nos altares das causas.  Por vezes, num paradoxo chamativo que recordava Bertrand Russell, as pessoas e os grupos obsessionados por enteiro num propósito definido, a viverem permanentemente num «tenso fanatismo», acabam por perder a capacidade de julgar com cordura e nom som quem de tomar decisons sensatas. Mas nom nos devêssemos atormentar: todos os artefatos poderosos, técnicos, ideológicos e espirituais, som, pola sua própria força, suscetíveis dum mal uso. É perigosa a tecnologia, som perigosos os medicamentos, e som perigosas, nesse sentido, as religions ou as propostas de compromisso radical pola enorme energia que contenhem.

Onde se acham os nossos maiores riscos? As conviçons puritanas, a crença de que nos legitima umha certa elevaçom moral da que outros nom desfrutam, tem reforçado historicamente um comportamento que se pensa com direito a maltratar o dissidente, insultá-lo ou condená-lo ao ostracismo; no plano teórico, o absoluto convencimento de um situar-se no «lado bom da história», regido por leis alheias à vontade pessoal, deu carta branca inteletual a tais comportamentos. Neste potencial de risco dos compromissos fortes, há recursos que nos podem valer como verdadeiros pontos de equilíbrio. Um é a tradiçom do auto-exame moral, nascida com o estoicismo, e que inspirou ao longo da história grandes exemplos de mulheres e homens empenhados na luita social, sobretudo libertários. Outro é um pensamento valente, que saiba tomar certas distâncias, e que permita revisar as nossas teses, sem medo a resultar escandaloso. Se algum sentido tenhem os e as inteletuais de esquerdas hoje, é, como tem dito Santiago Alba, é o de agirem «como psicoanalistas da açom coletiva».

Um repensamento em açom

Em décadas passadas, o paradigma de militante que conheceu o arredismo era um homem (raramente umha mulher), jovem (menor de 30 anos), de classe obreira ou precária, dedicado permanentemente à vida organizativa, num movimento perpétuo de açons e de reunions, mentalizado para a prisom, e movido pola pressa e umha certa ansiedade do fazer. Hoje, este é um paradigma excludente, e como se tem assinalado em artigos prévios desta série, bem merece ser repensado. Estamos chamados a elaborar umha noçom mais abrangente da militância, aberta a outras faixas de idade, comprometida nos cuidados (das pessoas novas e das velhas), mais enraizada em pequenos territórios comarcais e em vencelhos cara a cara, pendente da qualidade do que se constrói e nom tanto no seu volume nem impato imediato. Umha militância para um mundo que se esboroa, na que cumprirá o esforço de sempre, mas umha nova atençom à vida física e ao convívio, à transmisom da memória e das experiências em redes comunitárias de longa duraçom.

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